IMUNIDADE

ANTIBIÓTICOS ALTERAM O INTESTINO E PREJUDICAM A IMUNIDADE

Médica explica como recuperar a microbiota após o uso do medicamento


Eliane Contreras | Sep 13, 2023

Em poucos dias, os antibióticos matam bactérias perigosas ao nosso organismo e, por isso, são essenciais para a medicina moderna. O problema é que não são fármacos seletivos: também eliminam a população de bactérias, fungos e protozoários que formam nossa flora intestinal (também chamada de microbiota).  

O uso contínuo do medicamento, segundo estudos (um deles publicado na revista científica Science Translational Medicine), pode provocar alterações drásticas na microbiota e, consequentemente, levar a mudanças duradouras e destrutivas no sistema imune. Resultado: ficamos mais suscetíveis a outras infecções. “Quando a flora intestinal (ou microbiota) sofre um desequilíbrio, ocorre uma condição chamada disbiose. Os sintomas são náuseas, gases, diarreia e prisão de ventre e, quando não tratada, essa alteração pode deixar o intestino permeável, permitindo que as bactérias ruins migrem para a corrente sanguínea provocando infecções mais graves”, explica a médica Thaísa Albanesi, de São Paulo.

Porém, recusar os antibióticos quando a recomendação é necessária não é aconselhável – muitas vezes, eles são imprescindíveis para salvar vidas. O que deve ser feito depois do ciclo do medicamento, é tratar e curar a disbiose ou, melhor, preparar o organismo para evitar que essa alteração ocorra, o que pode ser feito com mudanças na alimentação – basta priorizar alguns alimentos e restringir outros. Quais são esses alimentos? A dra. Thaísa responde, a seguir, essa e outras dúvidas sobre o uso de antibióticos e a saúde do intestino.

1. O uso de antibiótico sempre afeta o intestino?

Sim! Por isso, as pessoas devem evitar recorrer a esse tipo de medicamento de maneira precoce – por ansiedade, muitos tomam antibiótico nos primeiros sintomas de uma infecção de garganta ou de urina, por exemplo, sem antes fortalecer a imunidade inata que todos nós temos e que dá condições de o organismo reagir e se recuperar. 

2. Quais os efeitos negativos do remédio na saúde do intestino?

Inúmeros estudos científicos mostram a relação entre o uso de antibiótico e a desregulação da flora intestinal. Ele destrói tanto as bactérias ruins quanto as benéficas, que determinam o nível de saúde da pessoa. Em apenas três dias de consumo, o antibiótico é capaz de destruir quase que totalmente o microbioma (flora intestinal), conjunto de bactérias que ajudam a manter as defesas do nosso organismo. E a recuperação desse exército é demorada: um adulto leva, em média, um ano e meio para recompor naturalmente o microbioma.

3. Qualquer tipo de antibiótico interfere na microbiota?

Sim. Apesar de cada geração de antibiótico apresentar um efeito específico no nosso organismo, a saúde intestinal sempre fica prejudicada. A ciência confirmou que o tempo e a frequência de uso são mais impactantes que o tipo de antibiótico.

4. O risco é o mesmo para adultos e crianças?

Crianças saudáveis costumam ter uma flora intestinal menos estável, porém, mais dinâmica do que a dos adultos. Talvez, por isso, elas conseguem regenerá-la com mais facilidade do que em idades superiores. Mas não podemos desconsiderar que o impacto dos antibióticos no intestino, nas fases de desenvolvimento, como em bebês e crianças até 9 anos, pode resultar em predisposição a alergias em geral na fase adulta, de acordo com estudos.

5. Independentemente do ciclo do antibiótico, é importante adotar estratégias para recuperar a microbiota?

Sempre. Muitas vezes o uso de antibióticos é inevitável, mas tratar seus efeitos colaterais deveria ser imperativo. De bebês a idosos, os antibióticos causam inflamações e sobrecarregam o organismo, portanto, após encerrado o ciclo do medicamento, os cuidados com o intestino devem ser ainda maiores.

6. Que tipo de mudança é recomendado na alimentação?

Começar pelo básico e efetivo: alimentar-se de comida real. Verduras verde-escuras, raízes, leguminosas (feijões, lentilhas, grão de bico), castanhas e sementes, frutas, proteínas limpas, como tofu e quinoa (frango e ovos orgânicos e peixes de boa qualidade, para quem consome proteína animal). Ou seja, consumir uma comida capaz de fornecer matéria-prima para o organismo estimular a melhor performance do sistema imunológico.

Melhor ainda quando as pessoas adotam estratégias individualizadas, de acordo com a necessidade do seu organismo. Por exemplo: uma alimentação de baixa fermentação, como a low fodmaps, ou com baixa carga glicêmica. Esta última, recomendo para a maioria dos meus pacientes – afinal, quanto mais açúcar, menor é a performance do sistema imune.

7. Quais alimentos devem ser evitados na fase de recuperação do intestino?

Aqueles com potencial inflamatório. No topo dessa lista estão os alimentos processados e, por isso, a famosa frase “desembalar menos e descascar mais” é muito bem aplicada neste contexto. Também recomendo evitar o excesso de glúten (proteína do trigo capaz de inflamar o intestino, órgão onde são formados 2/3 do nosso sistema imune), leite de vaca e derivados (fonte de inflamação para o intestino e as mucosas), corantes e o açúcar (acelera a reprodução de células tumorais e células infectadas no organismo).

8. As cápsulas de probióticos são bem-vindas?

Considerando o estilo de vida moderno, com alimentação muito industrializada, agrotóxicos como substância “normal”, sedentarismo, excesso de exposição a toxinas ambientais (água, cosméticos, desodorante, pasta de dente, iluminação artificial, radiação, ondas eletromagnéticas etc) e toxinas individuais (tabagismo, álcool, altos níveis de estresse), faz com que seja muito desafiador para nosso organismo manter a flora intestinal sem auxílio externo.

Claro que cada pessoa é única e reage de maneira diferente, mas a reposição de probióticos pode ser feita até mesmo em bebês que não estão mais sendo alimentados exclusivamente de leite materno (maior fonte de probióticos para os bebês). A reposição pode ser em pó, cápsulas, filme orodispersível ou com o consumo de alimentos ricos em lactobacilos como o kefir de água e vegetais fermentados (como o kimchi de acelga ou repolho).

9. Existe contraindicação no consumo de probióticos?

Nenhum. Porém, como existem muitas cepas, cada qual com uma função específica, o ideal é que o uso seja feito a partir da recomendação de um profissional especializado. Mas muitas marcas prontas fornecem uma boa dose de probióticos que contribuem para a saúde do organismo.

10. A saúde do intestino também depende do controle do stress?

Sem dúvida. O sistema imune é estimulado a desempenhar sua melhor performance quando cuidamos da nossa saúde de maneira integral: corpo e mente. Por isso, considero essencial manter a base de uma boa saúde, construída pela busca constante de entendermos nosso momento de vida e onde podem haver ajustes contínuos para atingirmos a excelência. Aqui vão algumas sugestões:

*cuide do que você pensa;

*tenha momentos para meditar e refletir como está vivendo sua vida;

*avalie as relações sociais e as relações familiares;

*selecione bem o que coloca para dentro do seu organismo (de um alimento a um medicamento);

*considere como está movimentando ou não o seu corpo;

*respeite o seu sono (está cientificamente confirmado que a qualidade do sono tem relação com a imunidade);

Os antibióticos provocam alterações no intestino, mas, por si só, não degradam o organismo. Quero dizer que a verdadeira imunidade e saúde vão muito além de qualquer medicamento – dependem de como você se relaciona com a vida, com a sua e a do meio em que vive.