Aos 7 anos de idade, Eduardo disse aos pais que não ia mais comer carne. “Foi quando ele descobriu que carne era animal morto”, comenta a mãe e empresária Mônica Gonçalves Canella, de 46 anos. Hoje, aos 10 anos, o menino continua firme e forte na escolha. A decisão, segundo ele, foi tomada por uma única e simples razão: pena dos animais. Com isso, o hambúrguer feito com alimentos como cenoura e feijão entraram para a lista dos pratos preferidos dele e os pais, que, mesmo não compartilhando os mesmos princípios, também diminuíram o consumo de carne em casa.
A cena pode parecer peculiar para alguns, mas o aumento do número de vegetarianos estritos e ovolactovegetarianos no mundo inclui as crianças. Seja por escolha própria ou por preferência dos próprios pais, cada vez mais os pequenos têm recebido uma alimentação totalmente ou parcialmente isenta de produtos de origem animal.
Alice, de 2 ano e nove meses, está dentro do primeiro caso. A mãe e publicitária Raquel Abrão, de 35 anos, começou a se adaptar ao veganismo – que inclui não só as escolhas alimentares, mas também vestuários, cosméticos, entre outros produtos sem nada de origem animal – no início da gravidez da filha. Desde então ela passou a educar os filhos dentro desses princípios, com o máximo de transparência.
Para Raquel, a filha aceita a ideia de uma alimentação livre de produtos de origem animal com muita facilidade. Por exemplo: “Ela me pergunta o que é quando vê algum salgado e eu explico que aquilo tem leite que é do bezerro. Ela simplesmente entende e não me pede. Acho extremamente natural ela entender que o leite da vaca é do bezerro e o leite da mãe dela, é dela”. A mãe ainda comenta que a filha come grão-de-bico como se fosse chocolate e ama batata. De qualquer maneira, Raquel tenta não enviesar Alice para que ela possa fazer as próprias escolhas no futuro, quando estiver mais madura e tiver maior entendimento do assunto. “Se decidir ir contra o que acreditamos, ela vai poder tomar a decisão dela”, comenta.
O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS
Segundo a Associação Dietética Americana (ADA) e a Academia Americana de Pediatria (AAP), dietas vegetarianas bem planejadas são saudáveis, nutricionalmente adequadas e podem prover benefícios à saúde, sendo apropriadas para todos os estágios da vida, como gestação, amamentação, infância, adolescência, adulto e terceira idade. As informações foram obtidas através da especialista Monica Moretzsohn, do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), com a colaboração da endocrinologista Laura Ohana, também associada da SBP. O desenvolvimento das crianças vegetarianas que recebem uma alimentação equilibrada, ainda de acordo com a ADA, é comparável ao das crianças onívoras.
Na pré-introdução alimentar, a proteína obtida no leite materno é suficiente para o crescimento e desenvolvimento do bebê. E, na impossibilidade do leite materno, as fórmulas para lactentes suprem a necessidade desse nutriente. “Aliás, o leite materno tem um teor de proteína muito abaixo que o de outros mamíferos, o que mostra não existir motivo para o ser humano aumentar tanto o consumo de proteína em outras fases da vida, seja ele onívoro ou vegetariano”, diz a nutricionista Aline Vieira, coordenadora materno infantil da Sociedade Vegetariana Brasileira.
Já na introdução alimentar, carne, ovos e laticínios não precisam necessariamente estar presentes na alimentação infantil. “Criança não precisa comer carne, criança precisa ingerir nutrientes. De onde vem o nutriente não importa para o corpo, então, não há uma obrigatoriedade do consumo de carne”, afirma Aline. E o volume de comida pode ser mínimo, segundo a nutricionista. “A introdução alimentar, a partir do sexto mês de vida, é um preparo para o momento em que a criança não tiver mais o leite materno ou a fórmula, o que geralmente acontece entre 1 ano e meio e 2. E, por isso, ela ainda não precisa de muita comida.”
Na pós-introdução alimentar, aí sim os pais devem se preocupar com quantidade e composição de nutrientes no prato da criança vegetariana. Mas é fácil alcançar o valor proteico necessário, assim como o de todos os nutrientes — acompanhe um exemplo (quadro abaixo) do livro Alimentação Para Bebês e Crianças Vegetarianas até 2 Anos de Idade. O Guia foi produzido pela Sociedade Vegetariana Brasileira, sob coordenação da nutricionista Aline Vieira.
PROTEÍNA NÃO PRECISA VIR DA CARNE
Para os desavisados, uma criança que tenha optado pelo vegetarianismo restrito ou até pelo ovolactovegetarianismo é motivo de preocupação. Afinal, muitas pessoas ainda acreditam que, se não houver carne no prato, nutrientes como a proteína ficarão em falta. Porém, de acordo com os especialistas entrevistados (e o quadro acima), há muitas fontes de proteína no reino vegetal entre leguminosas e oleaginosas: feijão, ervilha, lentilha, grão-de-bico, soja e tofu de um lado; castanha-do-pará e castanha-de-caju, nozes, amêndoas, pistache e avelã de outro. Sementes como as de girassol, gergelim e abóbora também são complementares.
Também não é só a carne que é rica em ferro e zinco. Esses nutrientes são encontrados nas leguminosas e oleaginosas, assim como em vegetais verde-escuros e nas frutas. Cereais integrais complementam a alimentação do lado do ferro e do zinco; e óleos de chia e linhaça contêm ômega-3. Tudo para nenhum nutriente ficar em falta.
Com tantas opções, a escolha por uma vida vegetariana está aprovada. E muitas crianças vêm surpreendendo com essa escolha, de maneira racional ou mais emocional. A artista visual Thany Sanches, de 32 anos, conta que seu filho Otto, hoje com 8 anos, desde sempre se negou a comer qualquer tipo de carne. E isso até hoje. “Ele fica aflito quando alguém oferece carne”, conta ela. De acordo com a mãe, nem mesmo ovo lhe cai bem. “Teve uma vez que o Otto comeu macarrão e viu um ovo desenhado na caixa. Depois disso, não comeu mais.” E não é por influência dos pais. De acordo com Thany, ela come ovo quase todos os dias pela manhã.
E A VITAMINA B12?
Independentemente da condição alimentar, a SBP preconiza a suplementação de ferro e vitamina D até os 2 anos de idade para qualquer criança, além de um adequado acompanhamento pediátrico. Porém, de acordo com especialistas em dietas vegetarianas, como o nutricionista George Guimarães, há uma indicação especial para crianças vegetarianas: a vitamina B12 deve ser suplementada.
Como essa vitamina não é encontrada em alimentos de origem vegetal, todos os vegetarianos, sejam crianças ou adultos, precisam de suplementação. Entretanto, Guimarães, ativista pelos direitos animais com a ONG VEDDAS, esclarece que, enquanto o bebê ainda estiver sendo amamentado, o leite materno pode ser uma fonte de vitamina B12. Isso, claro, sempre que a mãe estiver recebendo suplementação ou no caso de ela não ser vegetariana. Depois disso, quando a amamentação for diminuindo, o suplemento deve fazer parte do cotidiano da criança.
A recomendação é válida mesmo nos casos das ovolactovegetarianas, ou seja, aquelas que não comem carne, mas consomem ovos, leite e seus derivados. “É possível que a criança obtenha a B12 apenas dos derivados, mas as consequências da falta dessa vitamina nessa fase da vida, quando o sistema nervoso ainda está em desenvolvimento, são muito graves”, ressalta o nutricionista. Prevenir que uma criança não sofra deficiência da B12, portanto, é fortemente recomendado pelos especialistas. Além disso, é necessário lembrar que, embora essa deficiência seja mais comum em vegetarianos, ela pode existir também em crianças e adultos que comem carne.