AGROTÓXICOS

ULTRAPROCESSADOS: PERIGO DUPLO À SAÚDE

Pesquisa inédita identifica a presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos industrializados


Eliane Contreras | Jul 14, 2021

Não bastasse o perigo do excesso de açúcar, gordura e sódio (vilões da obesidade e doenças crônicas não transmissíveis), existe mais uma verdade indigesta sobre os alimentos ultraprocessados: boa parte deles apresenta um coquetel de agrotóxicos. A constatação veio de um estudo inédito, realizado pelo Instituto de Defesa do Consumidor, o Idec, durante 2020 e 2021. 

No final de 2019, o Instituto questionou a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) sobre a possibilidade de contaminação dos alimentos industrializados pelos venenos agrícolas, mas o órgão, que avalia apenas a presença de agrotóxicos nos alimentos in natura (verduras, frutas e legumes), não tinha a resposta. Profissionais do Idec, então, saíram na frente: se debruçaram em estudos sobre o potencial cumulativo dos defensivos químicos nos produtos encontrados nos supermercados.

O segundo passo, a fase de testes, foi iniciada em 2020 com foco nos produtos ultraprocessados compostos por commodities agrícolas (soja, milho, trigo e cana de açúcar). “São culturas que mais recebem aplicação de agrotóxicos no campo”, explica Rafael Rioja Arantes, nutricionista e analista em regulação do Idec. Ao todo, 27 produtos de diferentes marcas foram selecionados e divididos em oito categorias: refrigerante, néctares, bebidas de soja, cereais matinais, salgadinhos de pacote, biscoitos de água e sal, biscoitos recheados e pães de trigo. 

Bisnaguinha tem até 8 tipos de agrotóxicos

Os resultados das análises, divulgados em junho desta ano na cartilha Tem veneno nesse pacote, foram bem preocupantes: 59,3% dos produtos testados (muitos direcionados para o público infantil e/ou com apelo de saudabilidade) apresentaram resíduos pelo menos de um tipo de agrotóxico; e 51,8% apresentaram resíduos de glifosato e glufosinato, os mais utilizados no Brasil e no mundo.

Como as marcas receberam a notícia? “O resultado das análises foram enviadas para as marcas e, as poucas que responderam, disseram que seus produtos não ultrapassam os limites máximos de resíduos de agrotóxicos”, diz Rafael. Mesmo assim, o Idec considera os achados alarmantes, uma vez que os defensivos químicos têm efeito cumulativo, ou seja, mesmo quem come só um ou dois biscoitos recheados todas as tardes, vai juntando agrotóxicos no organismo até o dia em que o pouco vira muito, o que pode acabar trazendo danos à saúde.  

Mais um alerta para quem não vive sem biscoito simples ou recheado: todas as marcas analisadas no estudo do Idec, assim como todos os produtos à base de trigo (bolo, pão, bisnaguinha e salgadinho), tinham resíduos de defensivos químicos, principalmente os tais glufosinato e glifosato, este último, comprovadamente cancerígeno. A bisnaguinha, aquele pão fofinho que muitos pais oferecem aos seus filhos diariamente, revelou um resultado ainda mais assustador: algumas marcas tinham resíduos de até oito tipos diferentes de agrotóxicos.  

Mais tipos de agrotóxicos a cada ano   

Infelizmente, a ideia de que os defensivos agrícolas desaparecem na industrialização do alimento não procede. “Mesmo após longo processo entre a colheita, transporte, processamento industrial, vida de prateleira nos supermercados, e, finalmente, chegada dos pacotes dentro de casa, a população continua exposta aos resíduos de agrotóxicos nos produtos para o consumo”, explica Rafael.  Para piorar, a extensão da aplicação indiscriminada de agrotóxicos no Brasil só cresce. 

Quase um terço dos mais de três mil defensivos químicos comercializados no país receberam registro durante 2019 e 2020 – esse último ano, aliás, foi recorde no número de aprovações de agrotóxicos, segundo artigo publicado na seção Opinião do jornal digital Nexo Políticas Públicas.

Consumidor deve recusar os ultraprocessados 

Já sabemos que o uso desmedido de veneno agrícola traz prejuízo ao meio ambiente, ao solo, à água, à nossa saúde e à saúde de todos os seres vivos. Como ajudar a mudar esse cenário? “Retirar os ultraprocessados da alimentação, como recomenda o Guia Alimentar Para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, é uma boa estratégia para que o consumidor exija da indústria produtos mais saudáveis”, diz Rafael. É também uma forma de cobrarmos mudanças dos modelos insustentáveis de produção de alimentos.

Outra medida que todos podem adotar já: investir nos alimentos in natura, se possível orgânicos e de produção agroflorestal. O Mapa de Feiras Orgânicas, organizado pelo Idec, funciona como uma ferramenta de busca rápida de orgânicos mais acessíveis e de endereços de grupos de CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura) próximos à sua casa. Dicas não faltam para você tomar a iniciativa e tirar o veneno da sua alimentação.