No mundo atual, a alimentação não pode ser um assunto privado e com o olhar individualista. Comer é um ato político, econômico, social, ambiental e de saúde pública. Não é mais possível apenas associá-la ao paladar, satisfações e prazeres pessoais, ainda mais quando olhamos os dados: 75% da superfície terrestre possui nossa marca, a cada minuto perdemos mais de 200 mil metros quadrados de floresta. No Brasil, apenas 0,5% da área desmatada detectada no ano de 2019 está dentro da legalidade, e segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o desmatamento da área entre 2020 e 2021 é o maior dos últimos dez anos e corresponde a uma perda de 10.476 km² de floresta.
Os oceanos também estão cada vez mais ácidos e a exploração da vida marinha ultrapassou os limites da sustentabilidade. Assim, refletir sobre nossos hábitos de consumo, principalmente os alimentares, é importante para que possamos entender o nosso papel em meio a crise ambiental que estamos inseridos. Não podemos mais nos abster de nossa responsabilidade, o contrário: é fundamental ampliarmos o espectro e, nesse sentido, as crianças têm se mostrado cada vez mais preocupadas em aderir a uma alimentação mais saudável, sustentável e ética. Os adultos podem seguir o mesmo caminho.
O veganismo é tendência entre as crianças
De acordo com uma pesquisa da BBC Good Food, nossos pequenos estão comendo menos carne e usando menos plástico, liderando o caminho para salvar o planeta. A pesquisa descobriu que 8% das crianças no mundo estão seguindo um estilo de vida vegano e, ainda, entre as não veganas, 15% gostariam de ser. Além disso, 13% das crianças são vegetarianas e, entre as que não são, uma em cada cinco gostaria de retirar a carne do prato.
Os pais de crianças que escolhem parar de comer carne não precisam entrar em pânico e, sim, ajudá-las na transição para a alimentação baseada em vegetais, mesmo não conhecendo muito bem esse “universo”. O primeiro passo é saber que, de acordo com a Associação Dietética Americana (ADA), “as dietas vegetarianas/veganas, quando bem planejadas, como todas as dietas devem ser, promovem crescimento e desenvolvimento adequados e podem ser adotadas em TODOS os ciclos da vida, incluindo gravidez, lactação, primeira infância, infância, adolescência e vida adulta, mesmo no caso de atletas”.
O que não pode deixar acontecer é a criança ficar só no pão, pizza e batata frita. Ou seja, quando as orientações de um profissional da área são colocadas em prática nas refeições do dia a dia, a retirada da carne não traz nenhum prejuízo ao desenvolvimento da criança. Ela cresce saudável e não precisa ser submetida a consultas médicas ou exames laboratoriais com uma frequência maior que a recomendada para as crianças onívoras.
Não, não vai faltar proteína!
Mesmo com estudos mostrando que uma alimentação vegetariana é saudável até para os nossos pequenos, muitos pais chegam pela primeira vez ao meu consultório preocupados com o aporte de proteína. Vai faltar? Essa é uma dúvida comum, e minha resposta é sempre a mesma: fiquem tranquilos! Basta inserir cereais integrais e leguminosas nas refeições, além de sementes (de abóbora, girassol, gergelim), tofu e tempeh, que a proteína vai ser suficiente.
Já a vitamina B12 exige mais cuidado. É indispensável para o desenvolvimento neurológico e não aparece com facilidade na dieta vegetariana, mas pode ser facilmente suplementada. Antes, porém, os resultados dos exames clínicos e bioquímicos da criança devem ser bem avaliados pelo médico ou nutricionista, até porque a falta de B12 nem sempre está associada a ausência de carne no prato, mas a fatores genéticos envolvendo transporte plasmático e conversão de enzimas, produção de ácido clorídrico pelo estômago, uso de antiácidos e medicamentos, impossibilidade de conversão ou quebra da cobalamina.
Ferro, cálcio e zinco também são bem importantes, mas são minerais encontrados nos vegetais verde-escuros, leguminosas, oleaginosas e sementes. O ômega 3 está presente especialmente nas sementes de chia e linhaça; o iodo em algas e sal iodado; e a maior parte (80%) da vitamina D depende da exposição ao sol para ser sintetizada. Conclusão: um plano alimentar equilibrado, bem orientado e combinado a brincadeiras ao ar livre oferece todos os nutrientes necessários para o desenvolvimento saudável das crianças.
Como montar um prato vegano (vegetariano estrito) completo em nutrientes
É simples, mas precisa sempre conter:
. 1 item do grupo dos cereais (arroz, milho, aveia) ou do grupo dos tubérculos e raízes (beterraba, cenoura, inhame).
. 1 item do grupo das leguminosas (feijão, lentilha, grão-de-bico, ervilha).
. 2 ou mais itens do grupo das hortaliças (legumes e verduras), sendo 1 vegetal folhoso verde-escuro (couve, espinafre, agrião, alface, rúcula, brócolis) e 1 legume colorido (abóbora, chuchu, pimentão, tomate).
. 1 item do grupo das frutas, em especial as ricas em vitamina C, importante para favorecer a absorção do ferro. Boas escolhas: laranja, kiwi, morango e acerola.
Gosto de reforçar que a qualidade da alimentação é sempre muito importante. Com a retirada da carne e derivados (ou mesmo a diminuição desse alimento), tendemos a explorar mais os vegetais e, consequentemente, a consumir muito mais fibras, fitoquímicos, vitaminas e minerais – nutrientes importantíssimo para a saúde do intestino e, de quebra, para a produção adequada de serotonina, neurotransmissor que auxilia na regulação do humor, apetite, sono e memória, além de mediar funções fisiológicas como os movimentos peristálticos, integridade cardiovascular e manutenção da circulação sanguínea. O que as nossas crianças comem está intimamente ligado com sua saúde no geral, incluindo a mental. Na adolescência, a alimentação vegetariana ainda reduz o surgimento das temidas espinhas (estudo mostra associação direta entre o alto consumo de carne e acne). Mas, assim como na dieta onívora, ajustes no cardápio são necessários nas diferentes fases da vida.
Um último recado (um pedido, na verdade)
Vamos escutar mais o que as nossas crianças têm a dizer. Elas fazem parte de uma geração que pede mudanças e anseia por um mundo mais sustentável. De fato, é um olhar mais sensível e mais crítico sobre a realidade. Vamos apoiá-las e aprender com elas!