Atletas Veganos

GAME CHANGERS ESTIMULA ATLETAS VIRAREM VEGANOS

Documentário mostra que alimentação plant-based combina com alta performance


Eliane Contreras | Dec 05, 2019

Um dos maiores mitos sobre o veganismo é o de oferecer uma alimentação que não combina com uma rotina intensa de exercícios e, portanto, inadequada para atletas ou esportistas. Mas o documentário The Game Changers (Dieta de Gladiadores, no Brasil), da Netflix, dá exemplos de atletas vegetarianos estritos que têm sucesso em modalidades de alta performance. 

Documentário The Game Changers - Velocista Morgan Mitchell

Com o relato dos corredores Cari Lewis, Scott Jurek e Morgan Mitchell, do nadador Murray Rose e outros atletas de peso, de que é desnecessário consumir carne para ganhar energia e força, o produtor-executivo do filme, James Cameron, vegano desde 2012, conseguiu o que queria: incentivar mais atletas e esportistas a adotarem uma alimentação vegetariana, sem qualquer tipo de alimento de origem animal. 

Novos veganos 

No mesmo dia do lançamento mundial, em outubro deste ano, a nutricionista Anielle D´Angelo, de São Paulo, recebeu várias mensagens de pacientes sobre o documentário. Atuante em dietas vegetariana e vegana, ela mesma ficou surpresa com a informação trazida no filme sobre a dieta plant-based dos gladiadores. “Eram atletas extremamente fortes, preparados para um esporte voltado para a força muscular. Para mim, foi uma mega novidade que eles eram veganos”, conta Anielle. 

Segundo a nutricionista, só de reduzir o consumo excessivo de carne vermelha, muitos dos seus pacientes relatam melhora no desempenho físico. “Sem tanta proteína animal, o intestino fica mais preparado para absorver o carboidrato da refeição. Isso aumenta a sensação de energia e melhora a performance”, explica Anielle. A recuperação pós-treino também acontece mais facilmente. Outro motivo para o atleta se sentir mais bem disposto é a melhora da qualidade do sono. Mas será que a dieta vegetariana, principalmente a estrita, pode ser indicada para qualquer atleta? 

Olhar crítico 

O treinador de esportes de endurance, Samir Taufic Rosolem, acha perigoso fazer essa afirmação, especialmente no caso de atletas de alta performance. “Eu mesmo experimentei diferentes tipos de dieta e percebi que preciso comer carne pontualmente. Sinto que é imprescindível para que meu organismo se recupere num período máximo de três horas, já que às vezes treino até três vezes no dia”, conta o Samir. 

Samir acha que documentário falhou em não apresentar estudos científicos sobre veganismo e atividade física

Quanto ao documentário, o treinador acha que o diretor pecou em não ter apresentado estudos científicos conclusivos sobre os benefícios da dieta vegetariana para quem busca alta performance. “Não que eu não acredite nessa possibilidade, mesmo porque, um dos maiores tenistas da atualidade, o sérvio Novak Djokovic, é vegano. Porém, quando mais próximo da alta performance o atleta quer chegar, menos liberdade pode ter na dieta. O cardápio montado especificamente para ele deve ser seguido à risca, o que pode ser mais difícil com uma alimentação vegetariana estrita”, conclui. 

Sem dúvida, a substituição da carne deve ser muito bem calculada, especialmente no caso de quem se exercita de maneira intensa. Mas já foi comprovado pela ciência que um cardápio com grãos e sementes variados oferece a dose de proteína, nesse caso vegetal, necessária ao organismo. Além disso, o vegetariano consome uma quantidade infinitamente maior de fitoquímicos do que o onívoro. “São substâncias que diminuem os danos oxidativos – ação importante para reduzir inflamação intracelular, lesões musculares e articulares, facilitar a recuperação dos músculos e amenizar o envelhecimento precoce comum no esportista por causa da produção excessiva de radicais livres”, explica Anielle. Os compostos bioativos, como ferro, magnésio, zinco, selênio (imprescindíveis para a contração muscular e produção de energia) também aparecem em mais quantidade no cardápio plant-based. 

Cardápio personalizado  

Há seis meses, o triatleta e advogado Luciano Lima, de São Paulo, virou vegetariano, quase vegano, justamente para combater processos inflamatórios no organismo. “Tive três episódios de trombose e, por isso, fiz a mudança no cardápio com a orientação da Anielle”, conta. No começo, ele teve medo de ficar fraco durante os treinos: 50 km de bike e 2.500 m de natação, três vezes na semana, corrida 1 hora nos outros dois dias, além da musculação. Mas o Game Changers deixou o atleta mais tranquilo. “O documentário é animal!” Hoje, diz se sentir mais leve e disposto, além de ter melhorado a performance. “Conheço outras pessoas que ficaram empolgadas em mudar a alimentação depois de assistir Game.” 

Luciano virou vegetariano para combater inflamações e amenizar risco de trombose

Mas Anielle faz a mesma observação de Samir: “A dieta tem que ser personalizada, ou seja, deve levar em consideração as necessidades específicas do atleta.” E, para aqueles que precisam de um rendimento acima da média, ela recomenda o uso de suplementos vegetais (aminoácidos isolados, BCAA). Outro recado importante: “Não adianta a pessoa deixar de comer carne e se entupir de carboidrato refinado que vai dar B.O.” A triatleta Mari Piza, de São Paulo, leva todas essas recomendações à risca. 

Energia em dobro

Além do acompanhamento com a nutricionista, Mari lê e estuda bastante sobre o assunto. “Quando corta a proteína animal, você precisa saber muito bem como substituir esse nutriente”, diz a triatleta, que aderiu ao veganismo mais por compaixão aos animais do que pela sua performance. Mas não demorou a perceber a resposta positiva do corpo. “Como o organismo fica menos inflamado, mais facilmente me recupero dos treinos. As pessoas também ficam surpresas com meu nível de energia, ainda mais intenso do que antes.” 

Mari já era vegana quando foi classificada, no Ironam de Fortaleza, para o Mundial no Havaí

Em 2015, quando participou da prova de Ironman de Fortaleza, a triatleta já era vegana e foi classificada para o Mundial do Havaí. Atualmente, por causa dos estudos, ela diminuiu um pouco o ritmo. Mas, todos os dias, corre (de 12 a 25 km, dependendo da planilha de treino), nada e usa a bicicleta como meio de transporte para ir à academia, à faculdade e à SOU (@sou_serorganicoeunico) – empresa de refeições cruelty-free que abriu depois de fazer vários cursos de culinária saudável e um pouco antes de iniciar a faculdade de nutrição. 

Menos inflamação e mais músculos

A bodybuilding Cristhine Tostes é mais um caso de atleta vegana bem-sucedida. “Eu já era ovolactovegetariana há sete anos e treinava há quatro quando adotei o veganismo. Segui o exemplo de outra atleta fisiculturista vegana, a Raíra”, conta Cristhine, que sempre tem o cuidado de combinar diferentes tipos de grãos e cereais, folhas e legumes em todas a refeições. “Meu prato é muito mais farto e colorido agora do que antes, quando eu comia carne. Não existe aquela história de falta de nutrientes”, afirma. Mas, como treina pesado, recorre à suplementação de proteína vegetal isolada, creatina e glutamina. 

A fisiculturista Cristhine conseguiu um corpo ainda mais definido ao aderir ao veganismo

Cristhine, Mari e Luciano poderiam até fazer parte do Game Changers. Aliás, a opinião de Mari sobre o documentário também é bem positiva: “Achei o melhor discurso de todos os tempos sobre alimentação vegana e atividade física”. Mas, assim como Samir, alguns profissionais da área da nutrição sentiram falta de respaldo científico nas informações divulgadas no filme; e críticos disseram se tratar de mais uma propaganda sobre o veganismo. São observações válidas, mas é certo que muitos atletas e esportistas onívoros que assistiram ao documentário, estão refletindo sobre o assunto.

NO LUGAR DE CARNE COME O QUÊ?

Mari e Luciano contam como é um dia de seus cardápios, só para dar a ideia do que come um atleta vegano(a). Mas avisam que variam bastante as opções a cada dia. 

Cardápio Mari

Café da manhã (pré-treino)

Tapioca com um pouco de geleia (ou banana amassada com melado de cana ou outra opção com carboidrato rápido) 

Durante treinos longos (+ de 1 hora) 

Água aromatizada com pedaços de fruta (ou 1 pedaço de rapadura)

Pós-treino

Shake proteico: proteína de ervilha (ou de arroz ou de semente de abóbora) batida com água de coco

Almoço

Pratão de folhas verdes (mais de um tipo) e legumes com gergelim e molho de tahine

Prato principal: arroz integral, feijão, brócolis e tofu 

Lanche da tarde

Bolo de fubá vegano com goiabada (ou pão com homus, pasta de abacate, pasta de cenoura ou queijo de castanha que a própria Mari faz)

Jantar

Prato principal: sopa de abobrinha com quinoa 

Acompanhamento: pão de abóbora com tofu mexido com ervas e temperos

Cardápio Luciano

Café da manhã (pré-treino)

Café preto + suplementos

Durante treinos longos (+ de 1 hora)

Carboidrato em gel 

Pós-treino

Leite vegetal batido com fruta, castanha, chips de coco, chia e linhaça (ou tofu batido com abacate e castanha)

Lanche da manhã

Fruta polvilhada com farelo de aveia (ou farinha de chia e linhaça)

Almoço

Pratão de folhas e legumes crus e assados + arroz integral e feijão

Lanche da tarde

Pão integral com pasta de amendoim 

Jantar

O mesmo do almoço, só que menos feijão