As dúvidas sobre alimentação sem carne e performance física ainda são grandes e vão existir por um bom tempo. Afinal, é um assunto relativamente novo e, apesar de existirem alguns estudos científicos, ainda são poucos para afirmar que atletas veganos têm melhor desempenho comparado com aqueles que consomem carne (muita carne!). “Antes de me tornar vegetariano, eu comia 1 kg de carne todos os dias, além de leite e ovos”, contou o nutricionista e ex-fisiculturista de competição Filipe Testoni, de Blumenau (SC), em um bate-papo com a VegMag (assista no nosso IGTV). Há três anos vegetariano estrito, Felipe resolveu retomar os treinos pesados para testar os resultados da dieta sem alimentos de origem animal. “Não percebi diferença. Minha performance e composição corporal continuaram a mesma de quando eu era onívoro”.
Fôlego bom
Também vegetariana, não estrita, a nutricionista Astrid Pfeiffer, de Curitiba, comparou o fôlego de esportistas veganos e onívoros, em sprints intervalados de alta intensidade. “Foi o primeiro estudo do mundo a comparar a capacidade anaeróbia de esportistas que comem carne com aqueles que têm uma dieta plant-based, mas ambos com nível de atividade física elevado”. Apesar de curto (foram duas avaliações em laboratório), o estudo, recém-publicado no periódico científico Journal of the American College of Nutrition, confirmou que a retirada dos alimentos de origem animal da dieta não prejudica em nada a performance anaeróbia. Para Astrid, o resultado não foi surpresa. “Realizei esse trabalho apenas para desfazer a hipótese de que a falta de carnosina e creatina, presentes na carne, poderia prejudicar o desempenho e fatigar mais rapidamente”. Foram avaliados o tempo de pico, o tempo para chegar nesse pico, a potência média e o índice de fadiga nos dois grupos, e não houve diferença.
Nem mais nem menos performance
Ainda não dá para dizer que os atletas veggies têm um rendimento maior ou melhor que os onívoros. “Alguns estudos com vegetarianos não estritos apontam para uma melhor capacidade de oxigenação por causa do consumo aumentado de verduras, frutas e outros alimentos ricos em fibras e antioxidantes; outros revelam maior desempenho em atividades aeróbias por causa da maior quantidade de carboidratos, mas nenhum deles é conclusivo”, diz Astrid. Porém, a confirmação da ciência de que a alimentação sem carne não compromete a performance, é bastante para deixar os atletas vegetarianos (ou aqueles que estão nessa transição) tranquilos para seguirem com uma alimentação 100% plant-based, mesmo no período de pré-competição.
Vamos às proteínas?
A quantidade foi a mesma nos dois grupos avaliados pela nutricionista, mudou apenas a fonte. “O cardápio dos atletas veganos (todos há 4 anos sem comer carne, em média) era bastante equilibrado e, por isso, apresentaram uma boa manutenção da massa magra”.
Para não faltar proteína vegetal, o nutricionista Filipe Testoni aposta principalmente nas leguminosas (feijões, lentilha, ervilha, grão-de-bico). “No período em que estava treinando pesado, consumia três refeições diárias contendo 300 g de lentilha (ou outra leguminosa) + 100 g de arroz (ou outro cereal), sempre na proporção de 3 para 1”.
Consumo gradativo
No início, o nutricionista confessa que sentiu desconforto com as porções maiores de fibras, portanto, para quem está começando, sugere aumentar o consumo de leguminosas de maneira gradativa. “Para quem não está habituado, recomendo comer as leguminosas apenas no almoço, até que o organismo e a microbiota se adaptem a um maior volume de fibras, o que, geralmente, demora de duas a três semanas”. Outra estratégia é fazer o demolho dos grãos e das leguminosas para diminuir a presença de fitatos e outras substâncias que provocam gases ou dificultam a absorção de outros nutrientes presentes no próprio alimento e no restante da refeição. No caso do desconforto persistir, Filipe recomenda limitar os tipos de leguminosas, optando apenas por aquelas mais fáceis de serem digeridas, como lentilha partida e feijão azuki.
E soja, pode?
“Não deve ser consumida apenas por quem tem alergia ao grão”. Porém, Filipe ressalta a importância do atleta (e consumidores em geral) escolher opções livres de substâncias químicas, como corantes e solventes que algumas empresas ainda usam para processar a soja e, transformar o grão em proteína texturizada de soja, por exemplo. Problema inexistente no tofu, tempê e outros fermentados da leguminosa.
Frutas, legumes e castanhas são outros alimentos importantes no cardápio do atleta vegetariano ou vegano. “As substâncias antioxidantes das frutas e dos legumes, e as anti-inflamatórias das castanhas (as nozes são especialmente ricas em ômega-3) ajudam no processo de recuperação pós-treino”.
Quando e como suplementar
Com exceção da vitamina B12, a suplementação de proteína, minerais e outras vitaminas, segundo Astrid, nem sempre é necessária. “Alguns profissionais recomendam o atleta suplementar BCCA, creatina e outras substâncias que melhoram o rendimento, mas deve ser uma prescrição individualizada, tanto para veganos como onívoros”.
Dependendo da modalidade, Filipe recomenda apenas os suplementos que têm efeitos comprovados na melhora da performance, como creatina, beta-alanina e cafeína. Mesmo a leucina (aminoácido essencial) pode ser obtida no reino vegetal. “A combinação de diferentes fontes proteicas (confira na tabela abaixo) fornece a quantidade necessária até mesmo para um atleta: de 700 mg a 3.000 mg por refeição, dose suficiente para estimular a síntese proteica muscular”.
Quantidade de proteínas e leucina a cada 100g do alimento:
O nutricionista finaliza com a sugestão de outros vegetais que podem fazer às vezes de alguns suplementos. “A beterraba é fonte de nitrato e, por isso, consumida na forma de suco, uma hora e meia antes do treino, melhora a performance e retarda a exaustão. A rúcula tem até mais nitrato, mas ninguém vai querer tomar suco de rúcula”. Será que não!?