saúde intestinal

SAIBA COMO CUIDAR DA SAÚDE DIGESTIVA DAS CRIANÇAS

Oferecer alimentos certos na hora certa é o primeiro passo (o intestino agradece!)


LUNA AZEVEDO* | May 05, 2021

Já falei aqui sobre a importância dos pais cuidarem da saúde digestiva da criança desde os primeiros dias de vida, mas nunca é demais voltar nesse assunto – sempre existe algo a ser acrescentado, uma vez que os estudos nessa área são constantes. Outro motivo para escolher novamente a saúde digestiva como tema é o Maio Roxo, campanha criada pela Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP) para a conscientização de doenças inflamatórias intestinais (DII) que acometem a mucosa do trato gastrointestinal. Em crescimento no público infantil, as DII podem surgir a partir de 1 ano de idade, mas apresentam pico de ocorrência entre 11 e 13 anos. A ciência ainda não concluiu quais são os culpados nesse cenário, mas existem fortes indícios de que uma alimentação inadequada pode ser um deles, e os efeitos negativos podem ter início ainda na barriga da mãe.

Não é segredo para ninguém que a alimentação da mãe influencia diretamente no crescimento e desenvolvimento adequado do seu bebê. Isso inclui a formação da microbiota intestinal, conjunto de microrganismos que habitam o intestino e que são responsáveis pelas características metabólicas, endócrinas e imunológicas que irão acompanhar a criança por toda sua vida. Se bem equilibrada, a microbiota se encarrega de bloquear agentes infecciosos, regular o humor e favorecer a digestão, prevenindo doenças a curto e longo prazo. As estratégias alimentares corretas logo após ao nascimento também são fundamentais. 

Estratégias para o bom desenvolvimento da microbiota 

. Amamentar a criança até os 2 anos (se possível)  

O leite materno tem substâncias com atividades protetoras e imunomoduladoras, proporcionando também o estímulo à maturação do sistema digestório. Quando a amamentação é exclusiva até os 6 meses de idade, desempenha papel fundamental nas condições ideais de saúde do bebê, com repercussões benéficas que se estendem por toda a vida. O ideal é que o primeiro contato entre mãe e filho aconteça o quanto antes após o parto, pois o colostro e o leite materno oferecem à criança fatores protetores e substâncias bioativas para o crescimento que protegem a mucosa intestinal e aumentam a produção de enzimas digestivas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere amamentar a criança, se possível, até 2 anos de idade ou mais, sem medo de achar que ela vai criar mais dependência da mãe. Ao contrário, a amamentação prolongada traz mais segurança afetiva, além de todos os benefícios que são essenciais para a proteção e desenvolvimento do organismo.

. Estimular o consumo diário de frutas, verduras e legumes

É importante que as preparações não sejam liquidificadas, como sopas e caldos, pois, além de dificultar o desenvolvimento da autonomia da criança, atrapalha na preservação dos nutrientes e das fibras alimentares dos alimentos (leia a seguir “diferenças entre fibras solúveis e insolúveis”).

São boas escolhas para almoço e jantar: legumes e verduras cozidos (abóbora, couve, brócolis, cenoura), leguminosas (feijão, lentilha, ervilha) e o grupo dos cereais (arroz, quinoa), raízes e tubérculos (batatas, milho, mandioca, inhame). Reserve as frutas para os lanches, que são ótimas opções para todas as faixas etárias. 

A quantidade de cada alimento depende da idade. De 6 a 12 meses, as leguminosas e os cereais devem ser oferecidos em duas porções ao dia: arroz com feijão no almoço e quinoa com lentilha no jantar, por exemplo. Legumes, verduras podem fazer parte das duas refeições principais, apenas com o cuidado de não combinar espinafre e acelga ou repetir qualquer um deles muitas vezes na semana, pois são verduras com alto teor de ácido oxálico, substância capaz de inibir a absorção de cálcio. Os tubérculos e as raízes não substituem as leguminosas e, por isso, um item desse grupo (um tubérculo ou uma raiz) também é muito bem-vindo diariamente, nas refeições principais.

Entre 1 e 2 anos, é recomendado uma fruta após o almoço e jantar, de preferência opções ricas em vitamina C (acerola, laranja, kiwi, tangerina) para aumentar a absorção do ferro da refeição.  A combinação de um alimento do grupo dos cereais (todos os tipos de arroz, milho, quinoa, amaranto, centeio) e um das leguminosas (feijões, lentilha, grão-de-bico, ervilha, favas, soja) nas refeições principais, é ideal para oferecer um perfil satisfatório de aminoácidos essenciais, ou seja, aqueles que o organismo não é capaz de sintetizar, mas que são fundamentais para seu funcionamento.

. Fibras solúveis e insolúveis

Na fase de apresentação alimentar (que complementa o leite materno ou fórmula a partir dos 6 meses), a quantidade correta de ingestão de fibras não é determinável devido à falta de dados. Portanto, os pais devem se preocupar apenas em oferecer alimentos saudáveis, in natura (orgânicos, sempre que possível) ou minimamente processados para que o bebê possa, aos poucos, ir conhecendo e entendendo essa nova forma de se saciar. A partir do primeiro ano até os 3 aninhos, a criança precisa consumir 19 gramas de fibras por dia, e dos 4 aos 8 anos, 25 gramas, segundo o Dietary Reference Intakes (DRIs).

Fisiologicamente, as fibras podem ser classificadas em solúveis e insolúveis. A primeira, em contato com a água (ou outro líquido), vira uma espécie de gel que auxilia na saciedade e no controle da glicemia (açúcar no sangue). Já as fibras insolúveis não interagem com a água, permanecendo intactas durante todo o trato gastrointestinal. Elas são responsáveis pela formação do bolo fecal, importante para o funcionamento do intestino grosso e, consequentemente, redução do tempo de contato da superfície intestinal com substâncias mutagênicas e carcinogênicas.

Fontes de fibras solúveis: aveia, chia, linhaça, soja, maçã, banana, morango, vagem, batata, abobrinha, cenoura, feijão, ervilha e lentilha, entre outras.

Fontes de fibras insolúveis: farelo de aveia e de arroz, arroz integral, vegetais folhosos, brócolis, legumes com casca, maçã e pera com casca, laranja, manga, figo, uva passa, tâmara e damasco são algumas opções.

. Alimentos obstipantes X Alimentos laxantes

Muitos bebês e crianças sofrem principalmente com períodos de constipação ou diarreia devido a sensibilidade a alguns alimentos, por isso é interessante ressaltar a necessidade de alternar uma alimentação obstipante (indicada nos casos de diarreia, fazendo com que ocorra diminuição do trânsito intestinal e melhora na absorção dos nutrientes) com uma alimentação laxante (ideal para quando há quadros de constipação), equilibrando assim o funcionamento do intestino.

Alimentos obstipantes

Frutas: m­­­açã, banana, caju e goiaba. Neste caso, a maçã deve ser oferecida preferencialmente sem casca.

Legumes: cenoura, chuchu, batatas inglesa, baroa ou doce, mandioquinha, inhame e cará são alguns dos legumes que também devem ser consumidos descascados, e bem cozidos.

Cereais: arroz branco e macarrão, ambos têm um baixo índice de fibras.

Alimentos laxantes

Leguminosas: ervilha, feijão, lentilha, grão-de-bico e soja.

Frutas: abacaxi, abacate, ameixa, caqui, laranja com bagaço, mamão, mexerica, manga, morango, melancia, melão, tangerina e uva.

Legumes e verduras: abóbora, abobrinha, aspargo, beterraba, brócolis, cebola, couve, couve-flor, milho verde, quiabo, pepino, rabanete, repolho, vagem, tomate e folhosos em geral (alface, rúcula, agrião).

Cereais:  aveia em flocos, quinoa e amaranto em flocos, farinha de chia ou de linhaça – misture esses cereais com frutas.

A importância do formato do cocô

Observar o cocô ajuda muito os pais avaliarem a saúde digestiva da criança. A  partir do aspecto das fezes (formato, consistência), a Escala de Bristol sinaliza a necessidade de mudanças na alimentação ou da urgência de tratamento médico. Dependendo da alimentação, é comum a identificação de mais de um tipo de fezes, e não isolado como apresentado na escala.

Tipo 1 Indica constipação, trânsito intestinal lento, sendo que uma das causas mais prováveis a falta de ingestão de fibras e pouca hidratação. Busque oferecer os alimentos fontes de fibras, frutas com casca e bagaço, verduras, linhaça, granola, aveia e cereais integrais. Evite que a criança coma farinhas brancas, açúcares e laticínios.

Tipo 2 Indica que o bolo fecal ainda está um pouco seco, um princípio de desequilíbrio intestinal, com algumas rachaduras nas fezes.

Tipo 3 É o bolo fecal ideal, evidenciando que o trânsito intestinal está adequado, no qual as fezes passam com facilidade e não causam desconfortos.

Tipo 4 Sinal de trânsito intestinal muito rápido, classificado como diarréia, e isso significa que a água foi mal reabsorvida. Além disso, pode ser um indicativo de intolerâncias alimentares ou desequilíbrio na flora bacteriana intestinal. É importante um acompanhamento nutricional, além de exames para descartar qualquer patologia 

Tipo 5 Provavelmente, é resultado de uma infecção. A realização do diagnóstico médico é imprescindível, além de uma alimentação leve, sem gorduras, frituras, açúcares e laticínios.

Fonte: JOZALA, Debora Rodrigues et al. (2019).

A Escala de Bristol sinaliza o que pode estar acontecendo com a saúde intestinal, mas não é o único critério para fechar um diagnóstico completo. A coloração das fezes também é importante, que costuma variar entre tons de marrom do mais claro para o mais escuro.