ALIMENTAÇÃO INFANTIL

A IMPORTÂNCIA DA ALIMENTAÇÃO NO BEM-ESTAR MENTAL DAS CRIANÇAS

Agitação e mau humor são sinais de que algo pode estar errado no prato


LUNA AZEVEDO* | Oct 05, 2021

Cada criança é única, portanto, quando falamos de saúde mental, também precisamos conhecer sua forma de ser, sua história e dinâmica familiar. O profissional de saúde deve ter a oportunidade de conversar diretamente com a criança e, caso ela ainda não fale, seu comportamento pode ser entendido pelo médico ou nutricionista em conjunto com os pais. Observar a forma como ela brinca ou se relaciona com objetos oferecidos durante a consulta ajuda muito na anamnese e, caso exista suspeita de alterações na saúde mental, a alimentação deve ser levada em consideração.  

Assim como compromete o desenvolvimento físico e cognitivo, a fome (realidade de boa parte da população infantil brasileira) ou má alimentação (pobre em nutrientes) afeta o bem-estar mental das crianças e dos adolescentes. Os sintomas mais comuns são irritabilidade, choro, dificuldade de aprendizagem, déficit de atenção, hiperatividade, alterações no sono, atraso na linguagem, baixa interação social, tristeza, diminuição afetiva e oscilações de humor e apatia.

O inverso também acontece: emoções negativas, como transtornos de ansiedade provocados por fatores externos (separação dos pais, por exemplo), podem desencadear padrões alimentares como falta de apetite ou desejo aumentado por alimentos altamente calóricos, segundo estudos. E tanto a falta de nutrientes como o excesso de açúcar e gordura saturada prejudicam a saúde mental. São casos extremos, mas comuns e que precisam de tratamento multidisciplinar com médico, psicológico e nutricionista.

Como os alimentos influenciam nas emoções

Neste artigo, vou focar na terapia nutricional. Funciona como tratamento  complementar do médico e tem como principal estratégia a alimentação plant-based. Isso porque a ingestão elevada de verduras, legumes, frutas, grãos integrais, azeite e outros alimentos vegetais fonte de vitaminas A, C, E e do complexo B, zinco, magnésio, ômega-3 e L-triptofano, assim como a restrição total (ou baixo consumo) de alimentos de origem animal, pode reduzir o risco de ansiedade e depressão.

Ponto chave nesse processo, a microbiota (conjunto de bactérias que habitam o intestino) precisa estar saudável para garantir a produção adequada de serotonina, dopamina e noradrenalina, que regulam, no geral, a sensação de bem-estar. Ou seja, são neurotransmissores que influenciam nas nossas emoções, no aprendizado, humor, atenção, atividades motoras, entre outras coisas. Vale lembrar que a falta ou desequilíbrio dessas substâncias está associada à depressão.

Manter a microbiota saudável também é importante para o metabolismo do triptofano, aminoácido essencial precursor da síntese da serotonina. Boas fontes de triptofano: banana, aveia, cereais integrais, amêndoa, linhaça, abacate, soja e derivados, grão-de-bico, nozes, ervilha. As frutas e vegetais (base da alimentação plant-based) oferecem ainda fibras prebióticas, que servem de alimento para as bactérias probióticas, aptas a produzir substâncias neuroativas.

Vitaminas, minerais e outras substâncias aliadas

O que mais deve fazer parte do cardápio diário para uma boa saúde mental das crianças e adolescentes

Ferro: presente em grande concentração em áreas cerebrais nobres, é um mineral necessário para a síntese de enzimas envolvidas no processo de mielinização das fibras nervosas e de neurotransmissores (serotonina e a dopamina), os quais são precursores de epinefrina e norepinefrina, que atuam juntas na resposta rápida do organismo em situações de estresse, ajudando a regular funções cerebrais importantes como humor, concentração, atenção e memória. Boas fontes: tomate, batata, beterraba, farinha de soja, brócolis, proteína isolada de soja, repolho, couve-flor, abóbora, nabo, goiaba, abacate, manga, limão, banana, abacaxi, laranja, uva e mamão.

Magnésio: mineral presente em diferentes vias metabólicas de formação de neurotransmissores, incluindo a da serotonina. Boas fontes: nozes, sementes, cereais integrais, vegetais verde-escuros (o magnésio é constituinte da clorofila), oleaginosas, cacau, alcachofra, espinafre, feijão-preto, beterraba, gérmen de trigo, arroz integral e abacate.

Zinco: além de participar na regulação da transmissão sináptica (comunicação entre os neurônios), é um importante regulador de receptores cerebrais e, portanto, sua deficiência no organismo pode estar associada a transtornos psicológicos. Boas fontes: amendoim, amêndoa, feijão, grão-de-bico e semente de abóbora.

Potássio: fortalece o sistema nervoso e controla os transtornos de ansiedade e estresse. Boa fonte: banana.

Triptofano: aminoácido precursor da serotonina, neurotransmissor responsável pelo bem-estar mental. Boa fonte: banana.

Vitaminas do complexo B: essenciais na produção de neurotransmissores, além de apoiar a sinalização nervosa adequada. Boas fontes: vegetais verdes-escuros.

Vitamina B3: participa da produção de serotonina, junto com o triptofano e o magnésio. Boas fontes: cogumelos, brócolis, amendoim, semente de gergelim e abacate. 

Vitamina C: diminui a secreção do hormônio cortisol, que é liberado em resposta ao estresse e à ansiedade. Boas fontes: frutas cítricas (kiwi, limão e laranja). 

Ômega-3: composto pelos ácidos EPA (eicosapentaenoico) e DHA (docosahexaenoico) – o primeiro tem efeito anti-inflamatório e o segundo faz parte da composição de neurônios cerebrais – contribui para o funcionamento do cérebro e a neurotransmissão da serotonina. Boas fontes: nozes e sementes de chia e linhaça. 

Prebióticos e probióticos: proporcionam uma flora intestinal mais saudável, que desempenha um papel importante na produção de neurotransmissores responsáveis pelo bem-estar. Boas fontes: kombucha (sem álcool), biomassa de banana verde, kefir e outros alimentos considerados probióticos ou prebióticos.

Excesso de açúcar e outras substâncias inimigas

O que deve ser evitado no dia a dia

Cafeína: não está presente só no café, mas também no guaraná, chá preto, chá verde e outros estimulantes. No caso das crianças que já consomem essas bebidas, os pais devem ficar atentos ao nível de consumo de segurança estipulado pela Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (ESFA): no máximo 3 mg/kg de peso corporal, no caso de adolescentes e crianças maiores de 2 anos. Exemplo: uma criança que pesa 28 kg, pode ingerir 84 mg de cafeína por dia (1 xícara pequena de café tem, em média, 80 mg de cafeína). Por isso é tão importante o acompanhamento com nutricionista para adequar uma dosagem que não seja maléfica para quadros ansiosos, e que atenda às individualidades da criança e adolescente.

Carboidratos simples (refinados): ansiedade e depressão podem estar relacionados a uma alimentação inadequada, com consumo de alimentos ricos em açúcares, somado a pouca ingestão de frutas e vegetais. O açúcar, assim como as farinhas brancas, serve de substrato energético para as bactérias ruins que vivem na microbiota intestinal. O açúcar em excesso também pode deixar as crianças mais agitadas, com dificuldade de concentração.

Alimentos industrializados: geralmente são ricos em aditivos químicos que liberam cortisol e estimulam processos inflamatórios no intestino e, consequentemente, no cérebro, afetando a saúde mental. Os pais devem evitar principalmente os ultraprocessados (biscoitos e bolachas, sucos artificiais, refrigerantes, salgadinhos de pacote, macarrão instantâneo, guloseimas). São alimentos carregados de aditivos químicos, entre eles corantes artificiais (amarelo tartrazina, corante caramelo IV), que, segundo estudos, apresentam maiores reações adversas, induzindo danos ao DNA e outros malefícios, como reações alérgicas e transtornos no sistema nervoso central de crianças causando hiperatividades, dificuldade de aprendizagem e irritabilidade. Tartrazina e glutamato monossódico também podem ser tóxicos ao sistema nervoso central, especialmente em crianças menores de 2 anos.

Antes de finalizar, uma última observação: a saúde mental não deve ficar em segundo plano. Além de oferecer alimentos mais naturais e saudáveis, os pais precisam ficar sempre atentos a qualquer mudança de comportamento da criança. Pequenas mudanças (irritabilidade, falta de sono, apatia) podem significar que algo de errado está acontecendo e que os pais já devem procurar o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar.