AYURVEDA

A AYURVEDA E OS PONTOS EM COMUM COM O VEGANISMO

Fundador da escola Vida Veda, Matheus Macêdo conta como se tornou vegano (e o quanto a medicina ayurvédica influenciou nessa decisão)


matheus macêdo | Apr 20, 2021

O Ayurveda é vegetariano?

É melhor tirar essa questão da frente para iniciar a nossa conversa. Durante a minha atuação como vaidya (médico ayurvédico) recebi muitas perguntas sobre veganismo e vale esclarecer: eu sou vegano, mas o Ayurveda em si, não. Não existe recomendação de nenhuma dieta específica na perspectiva ayurvédica.

Muitas vezes, o Ayurveda é percebido como vegetariano por conta de uma questão cultural e religiosa indiana; mas trata-se de uma ciência empírica milenar, o que significa que estuda, testa e observa tudo que pode afetar a saúde humana em sua interação com alimentos e rotinas.

Nos livros que registram essa perspectiva do Ayurveda, conhecidos como Samhitas, existe a prescrição de alimentos de origem animal para tratar uma infinidade de doenças. São enumeradas, inclusive, substâncias inusitadas como sêmen de crocodilo, leite de elefante, carne de jacaré, entre outros. Como a busca é por compreender a natureza, entende-se que tudo que existe pode ser usado de forma medicinal e deve ser devidamente estudado.

Apesar de o Ayurveda não prescrever uma linha alimentar como o veganismo, é possível seguir o Ayurveda e ser vegano. Nos textos clássicos ayurvédicos, existe uma proposta clara de termos amor, carinho e respeito por todos os seres vivos. Desde as pequenas formiguinhas e insetos até os grandes animais.

Como funciona a restrição de carne no Ayurveda?

As carnes, via de regra, são pesadas para a digestão. Pessoas com problemas digestivos deveriam tomar muito cuidado com o consumo de carne. Outra questão muito importante é o estudo dos animais enquanto seres complexos. Parece óbvio, mas na nossa sociedade fica até difícil lembrar que o que tem naquelas bandejinhas do supermercado é, de fato, um ser complexo. Um animal que precisa ter comido corretamente, se movimentado e descansado, além de apresentar um sistema endócrino, digestivo, neurológico, assim como os humanos. 

Segundo o Ayurveda, para que possam ser consumidos, os animais precisam, em primeiro lugar, estar saudáveis. Isso significa garantir alimentos próprios para a saúde desses animais. A vaca, por exemplo, é um animal ruminante e, portanto, deve comer grama. Se você alimenta uma vaca com grãos ou ração, ela passa a ser imprópria para o consumo humano. O que vemos muito no mundo é um consumo não só de alimentos de origem animal, mas alimentos de origem animal que não são saudáveis. E isso também adoece os consumidores desses produtos.

Quem é do meu dosha pode comer carne?

Doshas são princípios de funcionamento da fisiologia humana e, que, em desequilíbrio, geram doenças. Quando as pessoas falam dosha, em geral estão querendo falar da Prakrti, que é a natureza do seu corpo. O consumo de alimentos tem, sim, uma influência nos doshas, mas, quando falamos de alimentação, o conceito mais importante é o agni. Essa palavra significa literalmente "fogo" e representa o metabolismo digestivo de forma específica. 

Não existe necessidade de nenhum paciente usar produtos de origem animal em seu tratamento, considerando que existam opções de origem vegetal disponíveis. A verdade é que, com o devido treinamento, o médico ayurvédico pode conduzir facilmente um processo terapêutico de forma vegetariana estrita, o que na minha perspectiva o coloca ainda mais próximo das sugestões éticas dos textos clássicos do Ayurveda.

Então o Ayurveda não é essencialmente vegano? Não, mas eu sou

Virei vegano em 2015. Antes disso, eu já me considerava vegetariano há uns 20 anos, mas era um vegetariano confuso: de vez em quando, eu era ovo lacto vegetariano, às vezes era pescetariano. A verdade é que eu não sabia como lidar de forma saudável com a minha nutrição. Comecei a estudar medicina em 2013, o que me deu ferramentas para investigar mais a fundo os efeitos dos alimentos de origem animal sobre a saúde humana, o que me levou a adotar o vegetarianismo estrito em 2015.

Eu já queria ser vegano desde os 15 anos de idade e já tinha tentado o veganismo em algumas épocas, mas achava muito difícil, não sabia se ia conseguir comer direito, se ia conseguir ser saudável. Era sempre aquela história: alguém me oferecia um pedaço de bolo de aniversário e eu, com medo de parecer mal educado, voltava a consumir lácteos ou ovos. Eu tinha medo. Mas, depois de ver o documentário Cowspiracy,  mergulhei no tema, busquei informações e virei voluntário do NutritionFacts.org, uma ONG dedicada a disseminar informações sobre nutrição baseada em evidências científicas. 

O que receito aos meus pacientes?

Costumo recomendar uma dieta vegetariana estrita apenas quando acredito que isso possa ser transformador para o paciente, ou se ele manifesta esse desejo. Existem pacientes que apresentam dificuldades de digestão e as carnes são muito pesadas, portanto, nesses casos, parar de comer carne pode trazer uma melhora muito mais rápida.

Para quem tinha medo do que aconteceria com a saúde ao aderir ao veganismo, só tive boas surpresas: em 2016 eu corri a maratona de Nova York, em 2019 competi no Ironman 70.3 do Rio de Janeiro, tudo isso à base de plantas. Eu sou hoje mais saudável do que fui a minha vida inteira: mais atlético, mais disposto, sem dúvida mais realizado e feliz. Acredito que é possível ser vegano, saudável, feliz e livre, não importa se a sua base são as diretrizes da Organização Mundial da Saúde ou os ensinamentos milenares do Ayurveda.